O Product Designer está fora de forma?
Se design é igual à forma + função, onde é que a forma foi parar?
No início dos anos 2000 eu cursava faculdade de Design Digital. Lá o foco era desenvolver projetos experimentais, que tinham uma função, claro, mas que também houvesse uma atenção importante, muito importante para a estética. Cada vírgula no projeto era considerada e criticada nas bancas de apresentação. A gente precisava ter argumento para tudo o que colocávamos nas interfaces, nos cartazes e fotografias que fazíamos.
Das disciplinas da grade curricular nós tínhamos História da Arte, Teoria da Cor, Fotografia, Tipografia, Expressão 3D (Escultura), Desenho, Animação, Psicologia, Ergonomia. Éramos muito estimulados a treinar o olhar sobre as coisas, a mexer com atividades manuais, buscar a própria linguagem, experimentar e praticar bastante.
O contexto da época era que na web não havia padrões bem definidos. Páginas em Flash, sites cheios de introdução, efeitos sonoros e menus diversos. Cada site tinha uma forma de navegar. Uns até surpreendiam positivamente, mas a verdade é que grande parte decepcionava os usuários que buscavam apenas por uma simples informação.
Alguns projetos eram incríveis, como o memorável site do EYE4U (Vídeo abaixo) dos anos 2000. Quem viveu aquela época vai se recordar com toda certeza. Hoje quem vir irá achar tosco, assim como quem assiste filmes de animação antigos e percebe as limitações que os filmes tinham no passado. Mas isso era o suprassumo do Flash, acredite. O EYE4U era incrível por que a gente não tinha boas referências de animação e som para internet na época.
Olha o mobile chegando aí, gente!
Na era dos sites em flash, nada era criado para rodar em celular, mas em junho de 2000 começou a rodar no Brasil em alguns aparelhos com planos pós pagos e pela operadora Telesp, o acesso a sites por um mini browser via WAP (Wireless Application Protocol).
“O protocolo WAP é um sistema que possibilita que as páginas da Internet sejam adaptadas ao visor do aparelho celular. Os aparelhos são equipados com um pequeno navegador chamado de mini browser, que permite o acesso à rede mundial de computadores.”
Fonte: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,wap-internet-pelo-celular,20000824p8896
Eu inclusive conseguia acessar o WAP pelo Motorola StarTac que eu tinha na época. Era bem rudimentar ainda, e acredite, um dia eu fiz wireframe para um site WAP, mas isso só foi acontecer em 2009.
A importância da função
Ao mesmo tempo que a gente descobria animações de introdução fantásticas, isso passou a incomodar. As pessoas começaram a perceber a falta de preocupação com a funcionalidade, se falava por exemplo em colocar um botão “pular intro” nos sites, de se ter uma opção para desligar o áudio ou para ele não começar automático, de disponibilizar uma versão alternativa em html para quem não conseguisse navegar no Flash e por aí vai. A função e a preocupação com a acessibilidade começou a aparecer nas interfaces, facilitando a vida de um monte de gente. Que bom!
O Flash começou a desaparecer com força depois do surgimento do iPhone (2007). A Apple se recusou a dar suporte para o plugin, que além de não ser acessível e de não ter padrão nenhum, ainda tinha problemas sérios de segurança. Foi polêmico, mas errada a Apple não estava, né? Até hoje ela é referência quando se fala em acessibilidade. Os sites deles são lindos, funcionais e acessíveis, porque ela já está inserida dentro do projeto, afinal — diga-se de passagem — acessibilidade não é uma feature.
Aí os portais começaram a se modernizar, veio a globo.com, que foi referência para muitos designers não só de outros portais, mais também de agências, pois foi uma das primeiras soluções com grids flexíveis, responsivos e com um visual aceitável dentro de um contexto “duro” que era o do editorial.
Depois de um tempo o flat design veio para dar adeus aos Bevel & Emboss, sombras, brilhos e um monte de firula desnecessária, além disso surgiu o html 5, as divs, e o código começou a ficar mais limpo, dando mais importância para a funcionalidade, peso das páginas e… resultado!
Então aquele web designer que fazia o html, o layout até a animação do Flash mudou de nome, de função e se dividiu em diversas partes. Designer de interação, Arquiteto de Informação, UX Designer, UI Designer, Product Designer.
Esse novo designer passou a olhar mais para a arquitetura de informação, fluxos, sitemaps, jornadas, personas, testes com usuários, apresentações, análise de dados e — agora sim — os produtos estão começando a funcionar do jeito que sempre deveriam: Foco em quem utiliza e resultado para quem paga.
Mas… e a forma?
Lembra das disciplinas acadêmicas do curso de design mencionadas no início deste artigo? Onde elas se encaixam em um universo onde o Product Designer chega no time de uma empresa e encontra “tudo pronto”, onde as cores, formas, ícones e tipografia já tenham sido definidos dentro de um Design System, onde a produção é moldada sobre as regras de negócio, números de acesso, das vendas e dos testes de usabilidade?
Tenho reparado o aparecimento de muitos UX Designers com foco no negócio, muito ligado à parte estratégica, quase Product Owners, e ao mesmo tempo um afastamento do UI designer, que tinha uma mão fantástica para layout e interação. Noto também o desaparecimento do processo da construção de uma solução — ou do próprio design — da preocupação com as micro interações, do motion, do som, da crítica sobre estética visual definida para uma foto, ilustração ou ícone que vai entrar na página e de tantos outros detalhes que fazem toda a diferença na experiência.
Passamos tanto tempo em reuniões e calls que o cuidado com a estética, ergonomia e os detalhes na interação passam despercebidos. Sem falar claro, da acessibilidade, que mesmo tendo grande importância na parte funcional, também acaba ficando em segundo plano na maioria dos projetos.
Se não estamos mais tão ligados à arte, se estamos tão focados no negócio e nas necessidades dos usuários, por que ainda encontramos tantos produtos com problemas básicos de usabilidade e acessibilidade?
Mais Amor (à arte) Por Favor
Sempre achei importante o envolvimento do designer com a arte, com o trabalho manual, com projetos pessoais, e também com o processo de desenvolvimento e o aprendizado com a prática de cada projeto.
Sinto falta da troca de referências de arte entre os designers, de ver projetos pessoais que não têm necessariamente a ver com o trabalho do dia a dia, mas que oxigenam o raciocínio lógico e enriquecem nossa visão e crítica.
Um dos processos de design mais bacanas que vi nos últimos tempos, que envolvem trabalho manual e que utilizaram escultura como base para um exercício de pesquisa foi no post Como criamos avatares abstratos e inclusivos para um app de pagamentos da Designer Patricia Belo, e olha só, para um banco!
Então, fica aqui minha provocação: Qual é o papel da arte em nossa profissão e o quão necessária ela é nos dias de hoje para desempenharmos nosso papel como Product Designers?